Brasa!

Eu tô morrendo de orgulho!

Desde que cheguei na Austrália há mais ou menos 4 meses atrás raras foram as vezes em que quis voltar para casa. Não é que eu não goste do Brasil. Mas a forma como nosso país é governado me incomoda de tal maneira que não faço questão de morar ali mais. Eu tinha perdido as esperanças e lavei minhas mãos. Entretanto na última semana acompanhei de perto todas as manifestações que meus irmãos de pátria realizaram e pela primeira vez senti que gostaria de estar lá e não aqui por um momento. Para viajar na dualidade entre amor e tristeza relacionados à minha casa, escolhi um som do Gabriel, o Pensador que tem muito para dizer. Faz parte do disco "Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo" lançado em 2001. Segue a letra:




Brasa
(Pensador/Lenine)

Um poeta já falou, vendo o homem e seu caminho:
"o lar do passarinho é o ar, e não o ninho"
E eu voei... Eu passei um tempo fora, eu passei um tempo longe
Não importa quanto tempo, não importa onde
Num lugar mais frio, ou mais quente de repente,
Onde a gente é esquisita, um lugar diferente
Outra língua, outra cultura, outra moeda

É, vida dura mas eu sou duro na queda
Se me derrubar... eu me levanto, e fui aos trancos e barrancos,
Trampo atrás de trampo, trabalhando pra pagar a pensão e
Superar a tensão do pesadelo da imigração
Clandestino, imigrante, maltrapilho

Mais um subdesenvolvido que escolheu o exílio,
Procurando a sua chance de fazer algum dinheiro,
No primeiro mundo com saudade do terceiro.
Família, amigos, meus velhos, meu mano -
O meu pequeno mundo em segundo plano.
Eu forcei alguns sorrisos e algumas amizades.
Passei um tempo mal, morrendo de saudade.

Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade
Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade

Da beleza poluída, da favela iluminada,
Do tempero da comida, do som da batucada.
Da cultura, da mistura, da estrutura precária.
Da farofa, do pãozinho e da loucura diária.
Do churrasco de domingo, o rateio e o fiado,
A criança ali dormindo, o coroa aposentado.

Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade

Da mulata oferecida, do pagode malfeito,
De torcer na arquibancada pro meu time do peito.
A pelada sagrada com a rapaziada,
O sorriso desdentado na rodinha de piada.
Da malandragem, da nossa malícia, da batida de limão,
Da gelada que delícia!

Eu tô morrendo de saudade, tô morrendo de saudade

Do jornal lá na banca, da notícia pra ler
Das garotas dos programas da TV
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral
Do calor humano, do fundo de quintal.
Do clima, da rima, da festa feita à toa
Típica mania de levar tudo na boa - do contato, do mato
Do cheiro e da cor
E do nosso jeito de fazer amor

Agora eu sou poeta, vendo o homem a caminhar:
o lar do passarinho é o ninho, e não o ar
E eu voltei. E eu passei um tempo bem, depois do meu retorno
Eu e minha gente, coração mais quente, refeição no forno
Água no feijão, tô na área, bichinho
Se me derrubar... eu não tô mais sozinho

Tô de volta sim senhor
Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor
Mas o amor é cego
Devo admitir, devo e não nego, que aos poucos fui caindo na real,
Vendo como o Brasa tava em brasa, tava mal

Vendo a minha terra assim em guerra, o meu país...
Não dá, não dá pra ser feliz
E bate uma revolta, e bate uma deprê
E bate a frustração, e bate o coração pra não morrer
Mas bate assim cabreiro
Bate no escuro, sem esperança no futuro, bate o desespero
Bate inseguro, no terceiro mundo, se for, com saudade do primeiro

Os velhos, os filhos, os manos
Ninguém aqui em casa tem direito a fazer planos
Eu forcei alguns sorrisos e lágrimas risonhas
Passei um tempo mal, morrendo de vergonha

Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha
Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...

Da beleza poluída, da favela iluminada,
Da falta de comida pra quem não tem nada.
Da postura, da usura, da tortura diária.
Da cela especial, da estrutura carcerária.

A chacina de domingo, o rateio e o fiado
A criança ali pedindo, o coroa acorrentado.

Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...

Da mulata oferecida, do pagode malfeito.
Morrer na arquibancada pro meu time do peito.
O salário suado que não serve pra nada
O sorriso desdentado na rodinha de piada.
Da malandragem, da nossa milícia
Da batida da PM, porrada da polícia.

Eu tô morrendo de vergonha, tô morrendo de vergonha...

Do jornal lá na banca, da notícia pra ler
Das garotas de programa dos programas da TV
Do jeitinho, do improviso, da bagunça geral
Do sorriso mentiroso na campanha eleitoral.
Do clima de festa, da festa feita à toa
Ridícula mania de levar tudo na boa
Do contato, do mato, do cheiro da carniça.
E do nosso, jeito de fazer justiça.

Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa
Casa do meu coração.
Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa
E a minha casa só precisa de uma boa arrumação.
Muita água e sabão.
Ensaboa, meu irmão.
Não se suja não.
Indignação.
Manifestação.
Mais informação.
Conscientização.
Comunicação.
Com toda razão.
Participação.
No voto e na pressão.
Reivindicação.
Reformulação.
Água e sabão na nossa nação.
Água e sabão, tá na nossa mão.

Tô morrendo de paixão, tô morrendo de paixão...

Vamos à andança...


Não vou perder tempo fazendo muitas citações da canção no meio do texto, como costumo fazer. Isso por quê as músicas do Gabriel, o Pensador merecem uma leitura completa e detalhada. Então peço que antes de continuar nessa viagem você leia toda a letra acima - de preferência ouvindo a música ao mesmo tempo pelo player abaixo. A obra tem um ritmo viajante e lento, com um quê melancólico na voz do cantor que serve de fundo para uma longa poesia tecida com o talento do rapper que mistura rimas precisas com uma letra inteligente. Na primeira parte, Pensador nos apresenta seu personagem, um jovem corajoso que, com a liberdade de um passarinho, resolve tentar sua sorte vivendo no exterior. Um país diferente, a batalha é dura mas ele "é duro na queda". A solidão e o medo do incerto - duas sensações tão fortes nessa situação despertam a saudade de casa, mas nosso herói é brasileiro e, com perseverança e força de vontade ele segura suas lágrimas, trabalha duro, supera a depressão e toca sua vida num país de primeiro mundo "com saudade do terceiro". A frase que serve de refrão aqui é cantada pelo grande músico Lenine, numa ótima participação especial. Ele repete: "Eu tô morrendo de saudade" enquanto Gabriel descreve as pequenas coisas do dia-a-dia brasileiro que nos fazem falta quando estamos fora. A notícia do jornal na banca, a loucura diária e a nossa mania de levar tudo na boa são alguns exemplos que matam o narrador de saudade. Na segunda parte da música, entretanto, nosso protagonista retorna para casa depois de alguns anos. A saudade que o fazia sentir amor pelo país logo se transforma em tristeza, enquanto ele percebe como o Brasil está atrasado. Ao retornar para a vida ordinária do Brasil, é inevitável para ele comparar sua casa com o país de primeiro mundo que lhe serviu de residência. Lenine então aparece novamente com sua frase chave, porém agora com uma única palavra diferente que muda todo o sentido da coisa: "Eu tô morrendo de vergonha". Gabriel agora então usa os signos que o faziam sentir saudade para descrever como as coisas são na realidade brazuca: vergonhosas. A notícia do jornal da banca só traz desgraça e corrupção, a loucura diária na verdade é uma tortura pro trabalhador e nossa mania de levar tudo na boa não ajuda em nada na construção de um país melhor. Ao viver num país de primeiro mundo por alguns meses não posso deixar de concordar com ele. Se por um lado é tão bom ver como as coisas funcionam em um país como a Austrália, a comparação com nossa casa nos deixa tristes ao ver como o Brasil ainda está anos-luz atrás em tantos quesitos básicos. Em nosso país "não da pra ser feliz". "Ninguém aqui em casa tem direito a fazer planos", ele diz. A mais pura verdade. Assim como ele, eu também morro de vergonha "do salário suado que não serve pra nada", da violência, da corrupção e do nosso jeito de fazer justiça. Chega disso. Nosso país precisa melhorar. Já era tempo do gigante acordar. E como que prevendo as manifestações que tanto significaram nesses últimos dias, Gabriel apresenta a terceira parte da canção, onde uma mudança do ritmo dá um tom mais alegre e esperançoso pra obra. Cantando em conjunto com Lenine ele diz:

"Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa
Casa do meu coração
Mas eu vou ficar no Brasa porque o Brasa é minha casa
E a minha casa só precisa de uma boa arrumação
Muita água e sabão"


Estamos lavando nosso país. Estamos cansados de tanta corrupção, tanta desordem e tanta miséria. Somos um país lindo, mas ainda temos gente na favela. Somos a economia da vez, mas ainda temos gente analfabeta. Temos os maiores executivos do mundo, mas não temos hospitais, nem escolas públicas decentes. Me pergunto como é possível tamanho paradoxo? A resposta é óbvia: corrupção. Temos muito dinheiro, somos um país rico, mas nosso recurso é desperdiçado pelos engravatados que mandam ali. Por muito tempo me perguntei quando a máscara verde e amarela ia cair e acho que a hora finalmente chegou. Todos os países estão acompanhando a insatisfação geral da nossa querida nação. Nossa ridícula mania de levar tudo na boa é passado. Agora temos o poder. É preciso muita água e sabão para lavar toda a corrupção que governa nosso país, mas estamos dispostos à trabalhar duro. O Brasa é a casa do meu coração e eu não vou ficar de fora dessa batalha, mesmo vivendo do outro lado do mundo. Prova disso é a manifestação pacífica que os brasileiros fizeram aqui em Perth em apoio aos nossos irmãos brasileiros. Agora o refrão cantado pela dupla é "Eu tô morrendo de paixão". Somos apaixonados pelo nosso país e, embora ele sofra de um câncer chamado "políticos", não vamos abandona-lo sem ao menos tentar remover esse problema grave e infeccioso. Vamos arrancar a podridão do Brasil tirando os corruptos do poder. Logo que cheguei na Austrália pensei: "Se o Brasil tivesse o mesmo governo que aqui, seriamos o melhor país do mundo". Temos o potencial e não vamos desperdiça-lo. Temos que tentar. Mesmo que esse ideal nunca seja atingido, não vamos parar de lutar. Afinal o que define um brasileiro é sua perseverança e a jamais-desistência. Eu to morrendo de paixão pelo Brasil. E, embora não possa fazer parte do movimento que está acontecendo em casa, eu tô morrendo de orgulho dos meus irmãos brasileiros. Parabéns à vocês! Vocês não estão só nessa briga ;)


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Comentários

Silvana disse…
Muito show e pertinente o seu post Felipe, parabéns pela postura consciente que podemos sim limpar o Brasil e ter um País melhor.
Andarilho disse…
Obrigado Silvana!! Que bom que curtiu e participou do movimento aqui. Temos que continuar ba batalha e dando suporte pros brazucas. Tamo junto ;)