[LIVRO] A Última Entrevista do Casal Lennon e Ono

John Lennon: genialidade e fragilidade

Recentemente mais um livro me escolheu. Eu ainda não tinha ouvido falar no livro "A Última Entrevista do Casal John Lennon e Yoko Ono", de David Sheff quando meu pai me presenteou com ele. A obra, uma extensa entrevista realizada com o ex-Beatle e sua esposa ocorreu em 1980, apenas dois meses antes da morte de John, mas tem muito mais a revelar do que uma fortuita e trágica coincidência. Para impulsionar a viagem, uma das mais interessantes obras dos Beatles, presente no "White Album" de 1968. Segue a letra:




Sexy Sadie
(Lennon/McCartney)

Sexy Sadie what have you done
You made a fool of everyone
You made a fool of everyone
Sexy Sadie ooh what have you done.

Sexy Sadie you broke the rules
You layed it down for all to see
You layed it down for all to see
Sexy Sadie oooh you broke the rules.

One sunny day the world was waiting for a lover
She came along to turn on everyone
Sexy Sadie the greatest of them all.

Sexy Sadie how did you know
The world was waiting just for you
The world was waiting just for you
Sexy Sadie oooh how did you know.

Sexy Sadie you'll get yours yet
However big you think you are
However big you think you are
Sexy Sadie oooh you'll get yours yet.

We gave her everything we owned just to sit at her table
Just a smile would lighten everything
Sexy Sadie she's the latest and the greatest of them all

She made a fool of everyone
Sexy Sadie.
However big you think you are

Vamos à andança...

O momento era histórico para o casal. Na metade final dos anos 70, John Lennon e Yoko Ono haviam se refugiado em casa por mais de cinco anos em busca de paz interior e dedicação ao recém nascido filho Sean. Nesse meio tempo não foram lançados discos por parte do casal. Fugiram da mídia. Precisavam de espaço e tempo. A promessa de Grande Volta de John Lennon ao cenário musical vinha com o álbum "Double Fantasy", preparado ao longo dos últimos anos daquela década. Para isso uma gorda entrevista em uma das mais importantes revistas americanas não seria uma oportunidade a ser descartada. Conduzida por David Sheff, da Playboy, Lennon escancara com sinceridade habitual a entrevista sobre sua vida pessoal, sobre os Beatles, Paul McCartney e milhares de outros temas. Ora ácido e cruel, ora cômico e alucinado, Lennon concedeu à Sheff material suficiente para um livro - literalmente. E é esse livro que chegou ao mundo em 2012 com o material fornecido pelo casal na íntegra pela primeira vez. "A Última Entrevista do Casal John Lennon e Yoko Ono" pode ser dividida em duas partes. Há uma clara diferença não só entre seu conteúdo, mas também em sua relevância. A primeita metade do livro soa mais como um bate-papo informal sobre assuntos aleatórios entre o prodígio jornalista e o casal de artistas. Embora seja inspirador observar pontos como o engajamento dos artistas pela paz ou o processo criativo deles, muitas vezes o assunto cai em temas como cosmologia, psicologia freudiana e a "inveja que os homens têm do útero feminino" que, na voz de Yoko Ono não empolga nem convence ninguém. Nunca tive nenhum tipo de birra contra a esposa de John Lennon. Por vezes confrontei pessoas que disseram que ela foi a separadora dos Beatles e tento relevar a carreira solo musical da moça. Mas chega a incomodar o pedestal em que ela se coloca diante de Lennon e dos homens em geral. Incomoda mais ainda o buraco em que ex-Beatle se posiciona diante da mulher. Que ela foi sua diva inspiradora por mais de uma década não há dúvidas. Mas dizer que "Yoko é minha professora" e "ela é quem me ensinou tudo sobre a vida" pode soar um pouco exagerado para quem conhece um mínimo sobre música e sobre Beatles. Se Lennon força a barra nessa auto-análise, Yoko peca ainda mais por, não apenas concordar, mas enaltecer todo e qualquer elogio recebido do marido. Com esse posicionamento durante a entrevista, Ono se revela uma figura um pouco difícil de engolir - ainda mais para beatlemaníacos.


Justamente para esse público a segunda parte da entrevista é um presente único. Nela, Sheff e John Lennon (sem Yoko dessa vez, ufa!) fazem uma rápida passagem por todas - sim, todas - as músicas dos Beatles e da carreira solo de John. Em dívida com o jornalista, o músico promete relembrar todos detalhes que conseguir sobre cada canção da qual participou. É engraçado quando entram em cena canções de Paul McCartney: ou Lennon coloca a obra do amigo/rival no céu - como é o caso de For No One e Here, There and Everywhere - ou a condena ao fogo do inferno sem dó, mas com sinceridade. Esse tipo de veneração misturada com inveja sintetiza muito da personalidade de John Lennon. Ao longo da vida do músico, podemos perceber a necessidade dele em se apoiar em alguém, mesmo quando o líder e gênio era ele próprio. Essa relação com seu "outro eu" se revelava em momentos únicos de amizade e ternura, ou explosões de raiva e brigas feias. Na escola e nos primórdios do Quarrymen (banda que viria a se tornar os Beatles), o amigo Pete Shottom fazia o papel da metade de Lennon. Quando o grupo se consolidou como a maior banda do mundo, Paul McCartney foi quem assumiu esse posto. A terceira e definitiva alma-gêmea do cantor veio em sua esposa, Yoko Ono. Curiosamente, na entrevista à Playboy, há ainda um personagem que rapidamente se enquadra nesse cargo, justamente entre Paul e Yoko. O guru Maharishi Maheshi Yogi foi apresentado aos Beatles por George Harrison - o mais espiritualizado dos quatro - e logo conduziu o quarteto à India, onde eles dariam início à uma busca interior que resultaria num dos mais importantes e melhores discos da história, o "Álbum Branco". Entretanto a decepção com Maharishi veio quase tão rápida quanto a paixão. Segundo Lennon, o guru estava tentando se aproveitar de uma amiga da trupe. Dias depois a banda abandonou o retiro espiritual e voltou à "vida normal". Dessa experiência saiu Sexy Sadie. De acordo com a entrevista, Lennon queria citar explicitamente "Maharishi", mas por aconselhamento dos colegas trocou o sexo da personagem e seu nome para "Sexy Sadie" - com o mesmo número de sílabas. A letra fala sobre a tal sádica que "fez todo mundo de bobo" e "quebrou todas as regras". A levada da obra é sensacional, com um ritmo apaixonante e hipnótico - provavelmente tudo que Lennon sentiu com o guru. A condução toda é feita pelo piano de John e, em partes de clímax, os backing vocals de Harrison e McCartney dão uma emoção toda a mais. A guitarra alongada de George também contribui pro clima místico, enquanto Lennon entra com versos inconformados: "Sádica do Sexo, como você sabia? O mundo estava esperando por você! Quão grande você acha que você é?". Um trecho excepcional é quando John canta a longa frase: "Nós demos tudo que tinhamos só pra sentar à sua mesa" e ao fundo os backing recitam progressivamente: "Seeee-xyyyy-Saaaa-diiiie". Enfim, mais uma obra-prima de John. Mesmo motivada por uma decepção para com a sua metade da vez, temos a certeza de que a experiência valeu a pena, ao menos para nós, meros ouvintes ;)

Nunca ouviu?

Conheça a sádica do sexo. Escute:



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