[SOUNDTRACK] Johnny & June

Mestre - Andando na linha ou não

Avaliar uma cinebiografia de uma lenda da música não é fácil. Primeiro porque provavelmente já gostamos muito do personagem em questão. Segundo, porque, como diria Andy Malafaya, do Cineplayers, esses personagens são "clichês ambulantes". Todos possuem uma história absurdamente emocionante que invariavelmente daria num filme, muito antes desse ser filmado. Por outro lado, é fácil falar da trilha sonora desses filmes. Uma cinebiografia de uma lenda da música obviamente traz as melhores canções do astro em questão. Dentre muitos ótimos filmes do gênero, o meu mais querido exemplar (e o mais querido de muita gente, com certeza) é o "Johnny & June", de 2006, que retratou a vida do grande mestre Johnny Cash. Para ilustrar o texto, uma das melhores músicas do Homem de Preto e que contará um pouco sobre sua vida - e boa parte do tema do filme também. Segue a letra:




Ring Of Fire
(Carter/Kilgore)

Love is a burning thing
and it makes a firery ring
bound by wild desire
I fell in to a ring of fire...

I fell in to a burning ring of fire
I went down,down,down
and the flames went higher.
And it burns,burns,burns
The ring of fire
The ring of fire.

I fell in to a burning ring of fire
I went down,down,down
and the flames went higher.
And it burns,burns,burns
The ring of fire
The ring of fire.

The taste of love is sweet
when hearts like our´s meet
I fell for you like a child
oh, but the fire went wild..

I fell in to a burning ring of fire
I went down,down,down
and the flames went higher.
And it burns,burns,burns
The ring of fire
The ring of fire.

I fell in to a burning ring of fire
I went down,down,down
and the flames went higher.
And it burns,burns,burns
The ring of fire
The ring of fire
And it burns,burns,burns
The ring of fire
The ring of fire

Vamos à andança...

O filme:

O Brasil tem uma certa fama mundial de traduzir títulos de filmes para algo completamente absurdo - ou muito próximo disso. Um exemplo claro é o excelente suspense "Amnésia" cujo título original é "Memento" (palavra que em português pode soar "Lembrete"). Nada contra a doença em questão, porém o problema é que o protagonista do filme passa mais da metade do mesmo explicando que seu problema não é Amnésia, e sim Perda da Memória Recente! Com o filme do Johnny Cash podemos observar a mesma coisa. "Walk The Line", título original que faz alusão à uma das mais importantes canções de Cash passou a ser "Johnny & June". Ouvi muita gente reclamando da tradução na época do filme - e com razão, é claro, afinal foi provavelmente uma tentativa marqueteira de transformar o filme num romance, visando reunir um público maior. Porém nesse caso não acho que jogou contra. O nome "Johnny & June" resume uma das coisas mais importantes sobre a vida do Homem de Preto: o amor - sobretudo pela sua musa inspiradora, June Carter.


A história de Cash é uma das mais emocionantes e dramáticas que existe. Desde pequeno a tristeza o perseguiu, como por exemplo na morte do irmão mais velho, que foi trabalhar sozinho enquanto o pequeno Cash - como toda criança faria - preferiu ficar pescando. Não foi culpa dele, mas não há o que fazer. Há, claro, a opção de transformar situações como essa em música. No caso de Cash, também em um estilo de vida. Não é a toa que o chamamos hoje de "Homem de Preto". Afinal, nas palavras do próprio cantor, ele usava trajes negros pelos pobres, pelos presos, pelos oprimidos, pelos injustiçados, pelos tristes. Incorporando tudo isso está o grande ator Joaquim Phoenix, capaz de viver também os trejeitos e (quase) até mesmo a voz do Mestre. Entretanto, nem tudo são trevas na vida dessa lenda. Aliás, há uma bela e hipnotizante luz na vida dele: June Carter, vocalista de apoio da banda de Cash, interpretada majestosamente por Reese Whiterspoon, papel que lhe rendeu o merecido Oscar. Casal mais perfeito não existiria. A química entre ambos é perfeita nas telas, como provavelmente foi em vida - em mais de 40 anos de história juntos. Phoenix e Whiterspoon praticamente encarnam Cash e Carter. Eles dançam, cantam, se emocionam, se ferem e se curam de forma absolutamente cativante. São de fato "Johnny e June" que adoramos assistir. Se fosse uma história só sobre Cash, ficaria incompleta. O verdadeiro Cash concordaria com isso. A direção do filme, realizada por James Mangold é ótima, e consegue captar com excelência tanto momentos doloridos - como a dependência de Cash por anfetaminas - como trechos gloriosos, como o lendário concerto em Folson Prison. Falando nesse lendário show, há dois pontos muito importantes a se destacar aqui, sendo um a favor e outro contra o filme. O ponto contra é a inexplicável ausência da canção Greystone Chapel cuja qual Cash conheceu um dia antes do show e foi composta por um dos presidiários! Glen Sherley foi o fã responsável pela bela obra e quem apertou a mão de Cash numa foto imortalizada do concerto. Como deixar de fora uma cena tão marcante? Apesar dessa gafe há o ponto a favor para compensar, vindo dos roteiristas Gill Dennis, além do próprio Mangold que encaixaram uma das frases mais inspiradas que já vi num filme. Quando Cash conta aos empresários que quer fazer um show na prisão, um deles tenta argumentar contra, porém recebe uma resposta curta e seca do mestre:

- Seu público é cristão! Eles não querem ver você cantando pra um bando de vagabundos e condenados.
- Então não são cristãos.


Esse era Johnny Cash! E esse é seu ótimo filme.

Soundtrack:

Particularmente me emociono ainda mais com o filme ao analisar a persistência de Cash para tentar conquistar sua amada. Ao assistir, perde-se a conta de quantas vezes ele a pede em casamento e recebe um "não" da insegura June Carter. Recém saída de um casamento que deu errado, ela teme se entregar novamente ao amor. É interessante também as cenas que mostram Carter compondo Ring of Fire, canção que viria a ser o hino máximo de Johnny Cash e fala justamente sobre o amor. Amor ardente e intenso. A obra começa com metais numa instrumentação bastante inspirada nas músicas mexicanas. O riff inicial é marcante, imortal. Ele abre pra Cash, que com sua voz grave diz: "O amor é algo que queima e cria um círculo de fogo alimentado por um desejo selvagem. Eu caí num anel de fogo". Nisso a música ganha uma virada revigorante que entra no refrão: "Eu caí num ardente anel de fogo. Eu fui descendo e descendo e as chamas aumentando. Queimou, queimou, queimou, o Anel de Fogo". June Carter acompanha Cash com os backing vocals perfeitos ao fundo. Cada "Burn, burn, burn" é suave e preciso. Uma harmonia incrível, criada por nada menos que o próprio amor. Afinal, esse fogo que queima tanto não poderia ser outra coisa. Não foi Camões quem definiu o sentimento como: "Fogo que arde sem se ver"? Não há nada tão vivo e místico como o fogo para se comparar com o amor. Amor tão grande de Cash, que decidiu como última cartada de sua teimosia, justamente pedir June Carter em casamento ao vivo! No palco, em meio a uma importante apresentação, June se viu sem saída. Se entregar ao amor de novo ou perdê-lo de vez? Arriscar tudo mais uma vez ou não? E como todos sabemos, ela caiu no anel de fogo. Dessa vez, para o resto da vida ;)

PS: Recomendo, além do filme "Johnny e June", a excelente biografia em quadrinhos, "Cash", de Reinhard Kleist.

Nunca ouviu?

Duvido, mas sinta o amor pegando fogo de novo. Escute:

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